“Eu não denunciava antes porque tinha vergonha e também há muito preconceito na sociedade”. Essas são palavras da vítima, uma mulher transexual que só não foi morta pelo ex-companheiro porque conseguiu ajuda. Ela acompanhou, na última terça-feira (13), o julgamento do agressor, que foi condenado pelo Tribunal do Júri a oito anos, três meses e 15 dias de prisão.
Na intenção de matá-la, o réu, um mecânico industrial, escalou uma parede até o segundo andar do local onde a vítima trabalha e mora. Ele se escondeu embaixo da cama e permaneceu lá à sua espera. Quando ela chegou para se deitar, o réu tentou matá-la com um machado, porém deixou cair o objeto e passou a desferir chutes e socos na ex-companheira. Ela teve ferimentos na cabeça e no rosto, conforme consta no laudo pericial, e só escapou da morte porque pediu socorro aos colegas de trabalho, que conseguiram contê-lo.
Depois de rendê-lo, os colegas da vítima prenderam o réu no banheiro até a chegada da Polícia Militar. O réu não aceitava o fim da relação e foi preso em flagrante, convertido depois para prisão preventiva, por descumprir as medidas protetivas que haviam sido concedidas à vítima. Ele está preso desde 25 de abril de 2021, quando os fatos ocorreram numa casa noturna de Navegantes onde a ex-companheira trabalha.
Na terça-feira (13), o réu foi a julgamento. O Conselho de Sentença acolheu as teses do Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) e o homem foi condenado a oito anos de reclusão por tentativa de homicídio qualificada por emboscada, contra a mulher por razões da condição de sexo feminino (feminicídio) e por violência doméstica e familiar. Por ser reincidente e considerando o montante da pena aplicada, o réu vai cumprir a sentença em regime fechado.
Pelo descumprimento das medidas protetivas, o réu foi condenado a três meses e 15 dias de detenção em regime semiaberto.
No Tribunal do Júri, a Promotora de Justiça Bianca Andrighetti Coelho sustentou que o réu armou uma emboscada para a vítima, já que se escondeu embaixo da cama do quarto onde ela dormia e a esperou para pôr em prática o plano de matá-la. Ele só não conseguiu porque ela gritou pedindo socorro e foi acudida por colegas que estavam no local.
A Promotora de Justiça destacou, ainda, aos jurados, que se tratava de um caso de feminicídio, porque a tentativa de homicídio foi cometida por conta da condição de mulher da vítima. Destacou também que as medidas de proteção da Lei Maria da Penha e seus benefícios a casos de pessoas transexuais já são reconhecidas pelos tribunais superiores para que se possa reprimir esse tipo de violência com mais seriedade.
“Foi uma decisão importante em plenário do Tribunal do Júri, porque se trata de uma violência doméstica praticada no âmbito familiar e também considerando que a vítima é uma mulher transexual. O Brasil é o quinto país que mais mata mulheres, segundo dados do Mapa da Violência do Conselho Nacional de Justiça, e figura pelo décimo quarto ano consecutivo como o país que mais mata pessoas trans, segundo pesquisa realizada entre 2017 e 2022 pela Agência Nacional de Travestis e Transexuais. No período foram 912 pessoas trans assassinadas, ressalta a Promotora de Justiça.
O Juízo negou ao réu o direito de recorrer em liberdade, demonstrando a necessidade de garantia da ordem pública.
Violência contra mulheres em Santa Catarina
Segundo dados do Observatório de Violência contra a Mulher de Santa Catarina, em 2022, 23.308 medidas protetivas foram deferidas e 56 feminicídios foram cometidos. De janeiro a maio de 2023, 12.111 medidas protetivas foram deferidas e houve 24 feminicídios.